A inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no mercado de trabalho brasileiro é mais do que uma pauta social: é uma urgência econômica e de direitos humanos que impacta diretamente o desenvolvimento do país.
“Estamos diante de uma crise silenciosa, que resulta em talentos desperdiçados e um enorme potencial produtivo ignorado”, afirma o neurologista Dr. Matheus Trilico, referência no tratamento de adultos com TEA.
Um Retrato Preocupante
Sem dados oficiais atualizados, estimativas de organizações independentes indicam que cerca de 85% dos adultos autistas no Brasil estão fora do mercado de trabalho – uma estatística alarmante quando comparada à taxa geral de desemprego no país, que fechou o último trimestre de 2024 em 6,2%.
“Essa disparidade escancara não só uma falha estrutural, mas também o quanto estamos desperdiçando habilidades que poderiam estar movimentando a economia e enriquecendo a sociedade”, reforça Dr. Trilico. “Incluir é investir em um futuro mais sustentável.”
Diagnósticos Tardios e Barreiras Invisíveis
Nos últimos cinco anos, aumentou significativamente o número de diagnósticos de TEA em adultos – pessoas que, por décadas, enfrentaram dificuldades no ambiente profissional sem saber o motivo.
“Temos visto cada vez mais pessoas descobrindo o autismo apenas na vida adulta, muitas já inseridas no mercado ou tentando se recolocar”, explica o neurologista. “Esse grupo precisa de apoio agora. A urgência é real.”
A exclusão se evidencia ainda mais quando comparada à participação de outras pessoas com deficiência (PCDs) no mercado de trabalho. Em 2019, essa taxa era de 28,3% – número muito superior ao dos autistas. A ONU já havia chamado atenção para isso: em 2015, estimou que apenas 20% das pessoas com TEA no mundo tinham emprego.
Barreiras Reais no Ambiente Profissional
As dificuldades enfrentadas por adultos autistas no mercado de trabalho são multifacetadas e significativas. “Os processos seletivos tradicionais, com dinâmicas de grupo e ênfase em habilidades sociais durante entrevistas, representam barreiras substanciais para muitos autistas”, esclarece o neurologista.
Dr. Trilico observa em sua prática clínica que muitos de seus pacientes autistas relatam a exaustão causada pela necessidade de “camuflar” suas características para evitar discriminação durante processos seletivos e no ambiente de trabalho. “Este mascaramento constante gera esgotamento emocional e contribui para altas taxas de burnout e rotatividade”, destaca.
A literatura científica confirma que adultos autistas frequentemente enfrentam dificuldades com a comunicação interpessoal, interpretação de sinais sociais não-verbais e adaptação a ambientes sensorialmente desafiadores, o que pode comprometer seu desempenho profissional quando não há suporte adequado.
Adaptações Necessárias: Acessíveis e Eficazes
Contrariando a percepção de que inclusão requer investimentos elevados, Dr. Trilico enfatiza: “Boa parte das adaptações necessárias é relativamente simples e de baixo custo, resultando em melhorias significativas de produtividade e bem-estar.”
Entre as adaptações essenciais baseadas em evidências científicas estão:
• Modificações no ambiente físico: A instalação de painéis acústicos nas paredes e tetos pode reduzir o ruído ambiente em até 60%, criando um espaço de trabalho mais confortável. Substituir a iluminação fluorescente padrão (que frequentemente emite um zumbido imperceptível para muitos) por luzes LED com controle de intensidade permite ajustes personalizados e economia de energia para a empresa. A pesquisa mostra que simples divisórias móveis podem criar “zonas de descompressão” onde o funcionário pode se retirar brevemente quando se sentir sobrecarregado.
• Ferramentas de comunicação adaptadas: A implementação de sistemas de comunicação por chat permite que funcionários autistas possam processar informações no seu próprio ritmo e responder sem a pressão da comunicação face a face. Estudos demonstram que reuniões com pautas enviadas com antecedência e tempo definido para contribuições reduzem significativamente a ansiedade e aumentam a participação de pessoas autistas.
• Flexibilidade de horários e trabalho remoto: Permitir horários de entrada e saída flexíveis para evitar horários de pico no transporte público, quando a sobrecarga sensorial é mais intensa.
• Comunicação clara e direta: Utilizar instruções escritas passo a passo para tarefas complexas, com exemplos visuais quando aplicável, e não utilizar mensagens subliminares.
“A ciência tem demonstrado que funcionários autistas, quando adequadamente apoiados, frequentemente apresentam excelente atenção a detalhes, honestidade, pensamento lógico e lealdade à organização,” ressalta o Dr. Matheus Trilico.
Setores e Funções Compatíveis
Certos campos profissionais têm se mostrado particularmente compatíveis com as habilidades específicas de pessoas autistas. “Tecnologia da informação, controle de qualidade, análise de dados, pesquisa científica e contabilidade são áreas onde profissionais autistas frequentemente demonstram habilidades excepcionais”, explica o médico.
A literatura especializada identifica que as características cognitivas frequentemente presentes no autismo, como atenção ao detalhe, reconhecimento de padrões e pensamento sistemático, são particularmente valiosas em funções técnicas e analíticas.
Suporte Disponível e Aspectos Legais
Empresas que contratam pessoas com TEA podem se beneficiar da Lei de Cotas (Lei 8.213/91) e de incentivos previstos na legislação brasileira. “Há um crescente reconhecimento da necessidade de políticas públicas mais específicas para a inclusão de pessoas autistas no mercado de trabalho”, acrescenta Dr. Trilico.
Diversas organizações especializadas oferecem programas de suporte para empresas que desejam implementar iniciativas de inclusão de neurodiversos, desde o recrutamento até o acompanhamento contínuo dos profissionais.
Um Chamado à Ação
“O momento para agir é agora! Cada oportunidade perdida representa talentos desperdiçados e potencial humano não realizado”, enfatiza o especialista.
O neurologista recomenda três ações fundamentais:
• Revisar processos seletivos para eliminar barreiras desnecessárias;
• Implementar adaptações sensoriais básicas no ambiente de trabalho;
• Buscar informação e capacitação sobre neurodiversidade no ambiente corporativo.
“Quando adequadamente apoiados, profissionais autistas não apenas desempenham suas funções com excelência, mas trazem perspectivas únicas e inovadoras para as organizações,” conclui o neurologista, Dr. Matheus Trilico. “A inclusão de pessoas com TEA não é apenas uma questão de responsabilidade social – é uma decisão inteligente que beneficia tanto os indivíduos quanto as organizações e a sociedade como um todo”.